segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Ela escrevia, eu Lígia

Era um daqueles dias em que a gente não sabia dizer nada que não 'Adeus'.
Lígia, uma de minhas mulheres, olhava a paisagem atentamente de forma a não perder nada. Estavamos no centro, em uma pracinha cinza com pombos e velhos com histórias tristes e mau cheiro.
Ela carregava consigo um bloco de papél e um lápis de ponta já um pouco gasta. O que Lígia observava na paisagem eu observava em Lígia, minha paisagem.
Suas coxas roliças, gordas, seu porte robusto facilmente notável sob o vestido leve, sua pose de gênio e seu olhar de mar.
Ela queria escrever.
Me disse: "Quero voltar a escrever!".
Nesta noite, eu a tinha levado para jantar em um restaurante grego. Comemos camarões ao Molho de Iogurte e hortelã e pão à moda de Corinto, acompanhados de um vinho leve.
Lígia adora quando falo assim, com savoir faire, dizendo que o vinho em questão é "leve". Ela se encanta com pequenas coisas. Flores, restaurantes, lugares que nunca foi...
É uma mulher fascinante!
Escreveu um livro. Nunca opinei verdadeiramente sobre o tal... Só disse alguns "É ótimo!" embalados pela obrigação de agradar a fêmea, que ela entendeu que foi obrigação e provavelmente imagina que odiei seus papéis... Não.
Lígia escreve a tocar o profundo íntimo de quem lê. Confessando bem, tenho medo de envolver-me com o que escreve Lígia. É intenso, amargo, forte, dolorido...
Quando a conheci, conheci uma mestra na arte da solidão. Aos poucos fomos nos envolvendo. Levei-a onde nunca havia ido. Amei-a como jamais havia sido amada. Lygia era quase-virgem. Não gostava de sexo, não gostava de homens, não gostava de nada.
Vivia entocada em seu quarto de pensão, estudava, bebia vinhos baratos, assistia filmes desconhecidos, lia, ia até o parque com seu bloco de papél, escrevia, voltava. Eu a amei, dei a ela um apartamento aconchegante, noites agitadas, comidas e bebidas desconhecidas.
Parecia perfeito. Ela gostava, achava perfeito. Me dizia ser perfeito.
Ontem me disse que me ama.
Eu sorrí. Sei que também a amo. Amo muito minha Lígia.
Ela sente falta de escrever, sente muita falta de seus dias vazios, mas me ama, ama o vinho leve, a comida diferente, ama meu mundo, o mundo que criei para ela.
A trouxe de carro para o parque.
Há pouco fui perguntar como estava.
Ela disse "tonta".
Eu sei disso.
Me divirto com Lígia...
Não percebeu ainda que jamais conseguirá escrever novamente, afinal, acredita que está feliz.
Estúpida.

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